Deficientes têm direitos garantidos. Mas ainda lutam contra burocracia. by Lázaro Britto. |
Plano
do Governo, que prevê investimentos na ordem de R$ 7,6 bilhões para
pessoas com deficiência, está em curso desde o final de 2011
Priscilla Selares (foto)
tinha 18 anos quando sofreu um AVC (Acidente Vascular Cerebral) e
perdeu a visão. Na época, estava no segundo período da Faculdade de
Direito, na UFF (Universidade Federal Fluminense). Com muita
dificuldade, já que a universidade não sabia lidar com pessoas com
deficiência, conseguiu se formar depois de cinco anos. Com o diploma
debaixo do braço, ouviu sonoros “nãos” de várias empresas, que não
queriam contratar uma deficiente visual. Para garantir o ingresso no
mercado de trabalho - um princípio constitucional fundamental -
Priscilla recorreu ao Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com
Deficiência (IBDD), e acabou sendo contratada pela instituição, onde
trabalha como advogada há oito anos, lutando para que as pessoas com
deficiência tenham na sociedade o mesmo espaço que os outros cidadãos
ditos normais.
“Leis
não faltam. O problema é colocá-las em prática ou cumpri-las. A
acessibilidade ainda é um problema grave, ruas e transportes não são
adaptados. Para andar de ônibus, dependo da ajuda dos outros. A maioria
acha que as pessoas com deficiência não saem de casa, por isso não
precisam de uma cidade adaptada. Mas nós existimos, temos as mesmas
necessidades das outras pessoas, só precisamos de oportunidade para
mostrar que somos capazes de fazer muitas coisas”, ressalta.
Dados
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010
apontam que 45,6 milhões de pessoas no Brasil têm algum tipo de
deficiência, o que corresponde a 23,91% da população. Destas, 12,7
milhões (6,7% do total) possuem pelo menos um tipo de deficiência
severa. É um universo grande demais para ser ignorado, por isso, em
novembro de 2011, a presidente Dilma Roussef lançou o plano Viver Sem
Limite, favorecendo a inclusão social e produtiva de cerca de mais de 45
milhões de pessoas no país.
“Ao
todo, o plano vai investir até R$ 7,6 bilhões em educação, saúde e
acessibilidade até 2014. É o maior plano nesse sentido lançado no
Brasil, envolve 15 ministérios e muito investimento. Já começamos a
monitorar as ações. O primeiro edital da Finep (Financiadora de Estudos e
Projetos) na área de produção de tecnologia para deficientes físicos
foi lançado em dezembro. As obras para construir os cinco centros
tecnológicos para formação, em nível técnico, de treinadores e
instrutores de cães-guias já começaram. É claro que não vamos conseguir
resolver o problema de todos os deficientes físicos, mas estamos
trabalhando para melhorar a condição de vida deles”, diz Antonio José
Ferreira (foto), à frente da Secretaria Nacional de Promoção
dos Direitos da Pessoa com Deficiência, ligada à Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República. Antonio tem 39 anos de idade e é
deficiente visual desde os 6. “Nasci cego de um olho e perdi a visão do
outro por erro médico. Entrei na escola aos 12 anos de idade, porque na
minha cidade, São José do Egito, interior de Pernambuco, ninguém
acreditava que um cego podia estudar. Mas eu consegui e comecei a
militar a favor da causa dos deficientes físicos”, conta o secretário.
Entre
as medidas, o plano prevê ações como o transporte escolar acessível; a
adequação arquitetônica de escolas públicas e instituições federais de
ensino superior; a implantação de novas salas de recursos
multifuncionais e a atualização das já existentes; e a oferta de até 150
mil vagas para pessoas com deficiência em cursos federais de formação
profissional e tecnológica. O eixo Acessibilidade prevê ações conjuntas
entre União, estados e municípios. O Programa Minha Casa, Minha Vida 2,
por exemplo, terá 100% das unidades projetadas com possibilidade de
adaptação, ou seja, 1,2 milhão de moradias que podem ser habitadas por
pessoas com deficiência. Cerca de R$ 90 milhões serão destinados a
empréstimos (com juros de 4% ao ano) a empresas que queiram dominar
tecnologias e criar produtos como próteses ortopédicas, leitores de
Braille e cadeiras de rodas com interação com o cérebro da pessoa com
deficiência. Para Richard Tavares, assessor jurídico da Federação de
APAEs (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) do Rio de Janeiro,
na prática, as dificuldades para ter acesso aos recursos são grandes.
“Existe
muita propaganda. As instituições esbarram em questões políticas,
algumas são obrigadas a virar cabos eleitorais. Precisamos
desburocratizar o sistema. Uma microempresa está dispensada de pagar a
cota patronal, já as instituições filantrópicas são obrigadas a
funcionar por três anos até deixar de recolher o imposto”, reclama.
Ferreira
assume que os entraves são muitos, mas esclarece que nem sempre o
problema é do governo. “Muitas vezes, as instituições não estão com os
documentos em dia ou dentro da proposta de educação inclusiva. De
qualquer forma, o plano não tem a ver com celebração de convênios com
instituições, é um conjunto de medidas governamentais”, ressalta o
secretário.
Para
Teresa Costa d'Amaral, superintendente do IBDD, existe uma mudança
positiva na sociedade, mas o Brasil ainda é muito injusto em relação às
pessoas com deficiência. “Lutamos para que elas tenham os mesmos
direitos dos outros cidadãos. É importante que isso fique claro, para
que as pessoas não achem que estamos pleiteando regalias. O direito de
ir e vir é o mais importante. Sem acessibilidade, não há inclusão. E o
país ainda tem problemas graves nesse sentido. É fundamental também o
direito ao trabalho. Ninguém é cidadão se não pode trabalhar. A lei de
cotas para deficientes é mal fiscalizada, o governo faz vista grossa. O
plano Viver Sem Limite vai efetivar, na verdade, muitos direitos que já
existem. As instituições estão prontas para colaborar, mas realmente é
importante que o governo aja. Vamos torcer por isso”.
Conheça alguns direitos das pessoas com deficiência:
- Benefício previdenciário continuado de um (01) salário mínimo para o deficiente físico que não tem renda;
- Isenção de IPI (Imposto Sobre Produtos Industrializados) na aquisição de automóveis;
- Empresas com mais de 100 funcionários são obrigadas, por lei, a preencherem seus quadros com 2% a 5% de pessoas com deficiência;Empresas como APAEs (Associação de Pais e Amigos de Excepcionais) ficam dispensadas de recolhimento da cota patronal para o INSS;
- Concursos públicos devem destinar 30% das vagas para deficientes, negros e índios;
- Atualmente, os pais podem decidir se matriculam os filhos com deficiência em uma escola especial ou comum. Até o ano 2000, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva definia como obrigatória a matrícula nas redes regulares, com atendimento educacional especializado no contraturno.
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