sábado, 17 de dezembro de 2016

Nursery Cryme GENESIS


Resenha de: Rick Paggliaro Thomaz.

Uma das obras mais cultuadas e celebradas dos anos 70 e da história do Rock Progressivo é o terceiro álbum do Genesis, lançado em 1971, Nursery Cryme. 

A história é a seguinte: o grupo que, na época contava com a liderança de Peter Gabriel, havia conseguido se livrar das amarras de produtores que queriam direcionar o som deles, como aconteceu com o infeliz primeiro álbum. Eles conseguiram obter relativo sucesso com seu segundo álbum, voltado ao som progressivo, Trespass, porém, o baterista John Mayhew era considerado pouco técnico para os projetos ambiciosos da banda; entra em cena um jovem Phil Collins. Em outra reviravolta, o guitarrista Anthony Phillips havia deixado o grupo para estudar música clássica, conseguindo lançar em alguns anos, álbuns de sucesso como The Geese and the Ghost; entra em cena o guitarrista Steve Hackett, após um breve período da banda com Mick Barnard substituindo Phillips. Estava formada a equipe pioneira da banda.Sendo assim, o grupo precisava de um sucesso estrondoso, algo que chamasse a atenção. A resposta veio na imagem bizarra de uma enfermeira, em um campo de críquete, com um arremessador ensanguentado nas mãos em posição de rebatedora e cabeças espalhadas pelo campo. A bizarrice era tamanha que todos queriam ver do que se tratava. Talvez você possa pensar que o grupo havia perdido a cabeça após tantos problemas, mas a verdade é que o Genesis havia elaborado uma grande obra-prima de sua discografia, músicas desafiadoras com um trabalho instrumental impecável e lírica riquíssima e elaborada. Este é o Nursery Cryme.O disco abre com um épico baseado em uma história escrita por Peter Gabriel, "The Musical Box". Sendo um enorme fã da obra poética de William Blake e dos contos de Lewis Carroll, Gabriel conta a história surreal de um casal de garotos, Cynthia Jane De Blaise-William 9 anos e Henry Hamilton-Smythe 8 anos, que moravam em uma casa de campo. Cynthia mata Henry com um martelo de críquete, decepando a cabeça do menino. Anos depois, ela encontra a caixinha de música dele e, ao abrí-la, vê o espírito de Henry dentro da caixa. Conforme Henry vai envelhecendo rápido, para compensar os anos que esteve longe de Cynthia, ele a manipula a ter relações sexuais com ela, ao mesmo tempo que o espírito experimenta uma vida inteira de prazeres sexuais em questão de minutos. Quando os dois estão prestes a entrelaçarem-se, chega a enfermeira que atira a caixinha de música em Henry, destruindo ambos. A ilustração da capa do disco é justamente um desenho de Cynthia. A música passa por mudanças de andamento muito interessantes, começa suave, gradativamente ganha força, retoma a suavidade e termina em um furioso ato final. Esta primeira faixa guarda reminiscências musicais de uma composição do grupo chamada "Manipulation", que teve sua gênese melódica ainda no período anterior da banda, com Anthony Phillips. Nela, Gabriel toca flauta e oboé nas partes calmas.Outro destaque de grande importância é a terceira faixa, "The Return of the Giant Hogweed". É sobre uma erva que foi trazida da Rússia para a Inglaterra por um explorador e levada aos Jardins Reais de Kew. A erva se chama Heracleum mantegazzianum, e ela causa a ira das criaturas herbicidas que acabam querendo vingança. O trabalho instrumental aqui é único, com variações melódicas hora andantes e hora agressivas e rápidas, configurando todo um clima épico para a história.E não podemos esquecer de um outro grande destaque do álbum, "The Fountain of Salmacis", presença em muitas das apresentações da época. É uma das composições mais herméticas e complexas do Genesis. A letra, também singular, fala sobre a ninfa do título que se envolve em um caso amoroso com o deus Hermafrodito, filho dos deuses Hermes e Afrodite. De acordo com a lenda, Hermafrodito amaldiçoou as águas do Monte Ida, de forma que, quem se banhasse nelas, viraria um ser hermafrodita, ou seja, um ser de ambos os sexos. Uma das composições mais desafiadoras e interessantes da era Peter Gabriel que fecha o terceiro álbum do grupo e os leva ao estrelato.Passado o material mais importante, há também outras coisas bastante interessantes e que fazem deste disco um grande clássico de seu gênero. "For Absent Friends" é uma curta e doce canção sobre duas pessoas viúvas indo à igreja rezar por seus falecidos amores; é a primeira canção do Genesis onde Phil Collins assume os vocais sozinho; com a ausência de bateria na canção, Collins tem total liberdade para sair de seu kit e cantar. "Seven Stones", que foi influenciada por uma composição do grupo inglês King Crimson. Tony Banks até acabou comprando um mellotron específico do Crimson para uso em várias outras músicas do Genesis. Conta sobre um velho muito esperto e aproveitador que se sobressai acreditando na sorte e na inocência de suas vítimas."Harold the Barrel" é a primeira vez que o Genesis insere timidamente humor em suas composições. Conta a investigação para encontrar um dono de restaurante que desapareceu e acabou cometendo suicídio se jogando da janela. Os arranjos são animados apesar da lírica pesada, quem vê Harold pela janela fica pedindo a ele para descer, vem até gente dizendo para ele que a BBC estava chegando e tudo acaba abruptamente quando Harold abandona o recinto pela janela e o piano de Banks vai dando as últimas e melancólicas notas. Finalmente, "Harlequin" tenta pintar um quadro de uma figura surrealista cheia de cores mas com componentes cinzentos que indicam algum tipo de distúrbio, algo que não pertence àquele quadro. A música não agrada tanto Mike Rutherford que diz ter tentado chegar perto de demonstrar a dinâmica que ele e seu parceiro dos discos anteriores, Anthony Phillips, tinham com as harmonizações no violão, tocando um 12 cordas para alcançar o efeito. De forma geral, Rutherford confessa que Nursery Cryme foi um álbum bem difícil de se compor.E levando em consideração o resultado final, percebe-se o motivo de tal afirmação. É um disco melódico, hermético por várias vezes, cheio de passagens interessantes, os estreantes Steve Hackett e Phil Collins dão tudo de si para fazerem este material brilhar mais ainda junto aos integrantes antigos da banda, a dinâmica do grupo é bastante natural e reflete um momento de pura inspiração. Em conclusão, um álbum que qualquer amante de música progressiva precisa escutar. Ele faz parte de um contexto em uma época de grande efervescência do gênero progressivo, onde as bandas tentavam sempre se sobressair em suas experimentações. Após dois discos com vários problemas internos, sendo que apenas um deles realmente se sobressaiu, o Genesis finalmente estabiliza sua formação pioneira e realiza uma grande obra-prima.
Nursery Cryme (1971)
(Genesis)

Tracklist:
01. The Musical Box
02. For Absent Friends
03. The Return of the Giant Hogweed
04. Seven Stones
05. Harold the Barrel
06. Harlequin
07. The Fountain of Salmacis

Selo: Charisma

Discografia anterior:
- Trespass (1970)
- From Genesis to Revelation (1969)
CAPA

Com John Mayehw e Anthony Phillips fora da banda, o GENESIS colocou um anúncio na influente Melody Maker para recrutar os músicos faltantes. Postar nos classificados da publicação era comum na cena inglesa.Quem também publicara um foi o guitarrista STEVE HACKETT, recém-saído da banda Quiet World. Com influências clássicas, operísticas e roqueiras, o músico procurava um grupo que fosse além das “atuais formas estagnadas de música”. Quase a mesma coisa que dizia o anúncio genesiano. Gabriel contatou-o e Hackett foi aceito. Sem muita experiência de palco, Steve incorporou persona bastante incomum para um guitarrista de rock. Tocava sentado. Contraponto interessante para a postura de Gabriel, cada vez mais teatral e extravagante, com a adição de máscaras e fantasias. Durante anos, um dos diferencias do GENESIS foi o elaborado repertório cênico do vocalista; antes que isso começasse a gerar fricções internas, por conta dos outros músicos acharem que a atenção do público recaia mais na teatralidade do que na música.Dentre os diversos bateristas que responderam ao chamado da Melody Maker, estava PHIL COLLINS. Ator e músico, Collins intimidou-se um pouco com a opulência da residência dos Gabriel. A casa tinha até piscina! Impressionante para um garoto oriundo da apertada classe média-baixa londrina. Sem conhecer direito o trabalho do GENESIS, Collins memorizou os trechos das canções enquanto nadava e ouvia os demais candidatos. Ao fim de sua audição foi aceito; uma das carreiras mais bem sucedidas da história da música pop dava passo fundamental.Com a inclusão dos novatos, o GENESIS entrava no período que alguns fãs e críticos denominam de formação clássica: Peter Gabriel (vocais, flauta), Tony Banks (teclados), Mike Rutherford (baixo), Steve Hackett (guitarra) e Phil Collins (percussão). Retiraram-se novamente para uma casa no campo e começaram a trabalhar no material pro terceiro álbum.Lançado em novembro de 1971, Nursery Cryme é trocadilho com nursery rhyme, termo que designa canções infantis tradicionais. Ainda que padeça de produção por vezes pantanosa, o álbum é um passo adiante em relação a Trespass (resenhado aqui no whiplash.net, veja link abaixo da matéria). Deixando os tons pastorais e folk na retaguarda, Nursery Cryme soa mais agressivo, dramático e operístico.Gabriel lançou mão do artifício de contar histórias cantadas a partir de múltiplos pontos de vista, sempre com tons sombrios, embora algumas melodias pareçam bem-humoradas. É o caso de Harold The Barrel – com sua influência marcadamente BEATLES – que brejeiramente e com o típico humor negro britânico versa sobre um dono de restaurante acusado de cortar os dedos dos pés e servi-los. Acuado pela multidão, Harold encontra-se prestes a pular da janela dum edifício, enquanto sua mãe se preocupa por sua camisa estar suja e haver um repórter da BBC lá embaixo. E como termina? No fim ele pula. Nursery Cryme definitivamente não é para crianças... Mas, essa é uma canção menor no repertório genesiano; o álbum contém pelo menos 2 clássicos da banda e do rock progressivo em geral.The Musical Box épica e operisticamente abre Nursery Cryme com seus 10 minutos recheados de variações rítmico-tonais. No encarte do álbum somos introduzidos à história da canção (contada por Gabriel nos shows, antes de começar a cantá-la). Enquanto jogavam cróquete, Cynthia Jane De Blaise-William (9 anos) “graciosamente” arranca a cabeça do amiguinho Henry Hamilton-Smythe, (8 anos) com o taco. Os longos sobrenomes e os hífens indicam a classe social dos infantes... 2 semanas após o incidente, Cynthia encontra a caixa de música de Henry. Ao abri-la, a nursery rhyme Old King Cole começa a tocar e Henry materializa-se em frente à garota. Só que o menino começa a envelhecer mal reaparece. Despertada pelo barulho, a babá entra no quarto e arremessa a caixa de música contra o ancião-criança, destruindo-o. Apavorante? E quem disse que Chapeuzinho Vermelho também não o é? Pensem na história... A parte cantada de The Musical Box é a fala de Henry. Preciosismo técnico e diversidade de tempos e atmosferas – que vão do medievalismo flautoso à urgência guitarreira e baterística – fazem da canção uma das definidoras da vertente sinfônica do prog rock. E o que dizer do teclado de Tony Banks, que, ao longo do álbum mimetiza até som de violino? Isso em 1971, com um Mellotron 2, rudimentar para os padrões atuais.Outro momento sublime é The Return of the Giant Hogweed, porrada com mais de 8 minutos de duração. Gabriel lera no jornal sobre uma planta nociva que se alastrava pela Inglaterra e inspirou-se para a letra sobre exploradores vitorianos que trazem da Rússia uma nova espécie vegetal pra Inglaterra e plantam-na nos Kew Gardens. A espécie começa a espalhar-se descontroladamente, ameaçando a espécie humana, vencendo-a num dos finais mais grandiosos do movimento progressivo. Memorável o diálogo da poderosa bateria de Collins com a plangência agressiva da guitarra de Hackett e o teclado de Banks, que se alastra como as plantas. Em seguida, Gabriel com voz manipulada gritando que as hogweeds venceram. “Mighty Hogweed is avenged/human bodies soon will know our anger/kill them with your Hogweed hairs/ Heracleum Mantegazziani/GIANT HOGWEED LIVES!” Segue o clímax chupado de finais de ópera.Nursery Cryme fecha com os quase 8 minutos de The Fountain of Salmacis, faixa frequentemente desdenhada pela crítica e por alguns fãs por ser pretensiosa em demasia. A letra mergulha na mitologia grega, contando a história da náiade Salmacis, que estupra o semideus Hermafrodito. Como castigo, os corpos de ambos se fundem em um só. Steve Hackett e Tony Banks, com seu Mellotron (comprado do pessoal do KING CRIMSON), conferem uma sonoridade delirante à canção, que remete a ondulações aquáticas. Não me importa o que digam, é uma de minhas canções prediletas do GENESIS.
Digna de destaque no quesito curiosidade é a microscópica For Absent Friends, com seus pouco mais de 90 segundos. O estreante Phil Collins assume os vocais dessa doce canção folk, que fotografa 2 viúvas rezando em uma igreja por seus companheiros ausentes e recordando dias em que eram “quatro ao invés de duas”. A semelhança com a voz de Gabriel – acentuada nas harmonias vocais do resto do disco – seria um trunfo pro GENESIS em anos vindouros.
Nursery Cryme não fez sucesso na Inglaterra, onde a posição mais alta nas paradas foi alcançada em 1974, quando, por uma semana o álbum ocupou a posição 39. Na Itália, porém, o álbum chegou ao quarto lugar após o lançamento e impactou sobremaneira o movimento prog do país, que produziu diversos clones. Há, inclusive, uma banda-tributo italiana chamada The Musical Box.

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