terça-feira, 15 de setembro de 2015

saga musical




Vamos imaginar um músico e o seu dia a dia, sua rotina de aulas, trabalhos de estúdio, GIGS da night, viagens, apresentações... Nada fácil, não é? 

Agora vamos imaginar esse mesmo músico, sendo uma pessoa com deficiência? Sim, isso mesmo: uma pessoa com deficiência física. Quais seriam os obstáculos e as maiores dificuldades para essa pessoa ser bem sucedida em sua carreira musical? Pois então, eis um caso real, vindo do Rio de Janeiro: o músico e baterista Túlio Fuzato. Ele é bi-amputado dos membros inferiores, publicitário, casado com Lia Campos e pai de seis filhos (sendo quatro deles, enteados). Perdeu as pernas depois de um mal súbito, que causou um desmaio à beira da plataforma do Metrô, no Rio de Janeiro, em junho de 2003. Túlio foi protetizado e voltou a tocar bateria.

A reabilitação foi na Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), no bairro Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. Lá, Túlio aprendeu a andar com as próteses e conheceu a esposa. Mas sentia que ainda faltava algo: a música.

Durante algum tempo, ele tocava apenas para si: teclado, guitarra, contrabaixo. Mas sentia saudade mesmo da bateria. Alguns amigos inconformados diziam que ele deveria voltar a tocar. Ele havia acabado de colocar as próteses e sentou-se no banquinho da bateria. Túlio diz que foi experimentando timidamente um pedal aqui, uma pisada ali, até que finalmente conseguiu dominar os rudimentos simples no bumbo e no par de pratos. Conseguiu sair tocando.

Os treinos causavam cãibras e muitas dores, pois mesmo cumprindo a carga de fisioterapia prevista, ele tinha que fazer um grande esforço para acionar o coto femural para tocar. A coxa tocava a perna com o joelho mecânico. O joelho mecânico acionava o pé protético. E o pé acionava a sapata do pedal do Bumbo. Dessa forma, Túlio usava três novos equipamentos para conseguir Bumbo e contra-tempo na parte inferior da bateria.

Foi dessa habilidade e da força de vontade ferrenha que fizeram sair um show de Classic Rock em uma casa noturna na zona sul do Rio. Tudo parecia fácil enquanto estava sentado atrás do instrumento. As pessoas chegavam, sentavam nas mesas reservadas e nem percebiam que na bateria havia uma pessoa com deficiência física.

Alguns conhecidos sabiam da condição de Túlio e ao final, invadiram o palco para abraçá-lo e cumprimentá-lo. Aqueles que o viram pela primeira vez levantando, saindo do instrumento com um par de muletas, ficaram estarrecidos. Não acreditavam que uma pessoa com deficiência poderia estar ali tocando aquele som na bateria. 

Certamente o mercado musical alternativo da noite carioca passou despercebido de tudo isso, pois a função do músico é ensaiar para tocar perfeitamente no dia do show. Porém, o mundo não é adaptado ou totalmente acessível e isso não poderia ser diferente com os estúdios, palcos, gravadoras ou barzinhos. Se o músico já tem que "ralar" para chegar no local, principalmente o baterista, levando pratos pesados, stands e caixa, imagine um bateria com um par de muletas.

Túlio conta que enfrenta a todo tempo escadas, sobrados e palcos com até 60cm de altura sem rampa para acessar. E isso não chega nem perto do preconceito que existe com as pessoas com deficiência. Ele comenta que certa vez estava no Studio XYZ e o rapaz da técnica havia chegado atrasado e todo esbaforido perguntou quem era o baterista. Apontaram para Túlio, que estava recostado em uma parede descansando tranquilamente as muletas. O rapaz arregalou os olhos e se retirou. Túlio sentou-se na bateria, largou as muletas, armou os pratos e começou a ensaiar. Ao término do ensaio, o rapaz da técnica foi até Túlio com os olhos marejados e chorando, porque jamais teria acreditado que uma pessoa sem as duas pernas poderia um dia sonhar em estar ali, como um músico profissional.

Certamente muitos outros fatos se passaram e hoje Túlio consegue encarar algumas situações de forma natural, mas sempre necessita de ajuda de amigos para montar o kit ou levar os pratos. Túlio conta que já trocou algumas experiência com Marcelo Yuka e Helbert Viana, aprendeu bastante com eles e com a forma como encaram a dificuldade de acesso nos palcos dessa vida musical.

Além da bateria, um outro instrumento de trabalho é o carro adaptado. Com ele, pode viajar por tudo e encarar os GIGS (trabalho musical pago, na linguagem dos músicos). No momento, Túlio está dando aulas, fazendo palestras e workshops. Toca exclusivamente nos redutos de Blues e Rock e sente-se plenamente realizado, reconhecido lá fora como "the amputee drummer". 

Por isso Túlio deixa uma mensagem: ninguém está livre de uma "catástrofe", de um desastre em suas vidas. Mas sejam fortes, perseverantes e nunca desistam de seus sonhos. Vão aparecer anjos em forma humana no seu caminho.

Túlio Fuzato é carioca, baterista e músico profissional. Tem 58 anos (2015), é bi-amputado dos membros inferiores, usa próteses, é publicitário e designer gráfico.
CONTATO:

FOTOS: (um click dentro da imagem para ampliar) -------




























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